sábado, 19 de setembro de 2015

A história de um melgacense de Prado que combateu ao lado dos nazis na Rússia

Um soldado ao lado de uma sepultura de um combatente da Divisão  Azul

Apesar do estatuto de neutralidade do nosso país na II Guerra Mundial, muitos portugueses lutaram no maior de todos os conflitos. Praticamente desconhecidos, investigações recentes demonstram que cerca de 150 portugueses participaram na invasão alemã à União Soviética, integrados nas fileiras da Divisão Azul, arregimentada em Espanha e integrada na enorme máguina de guerra hitleriana.
E melgacenses? Sabemos que pelo menos houve dois melgacenses que combateram ao lado dos nazis na invasão à União Soviética de Estaline, integrados na chamada Divisão Azul. Um desses soldados era Aníbal Esteves Afonso, natural de Prado (Melgaço), nascido em 1917.


Aníbal Afonso no tempo da guerra

 Antes de tudo, é importante explicar o que é afinal a Divisão Azul e a sua origem.
Recuemos então a 1941. A Europa estava em guerra desde 1 de Setembro de 1939 com a invasão da Polónia pelas tropas germânicas. Hitler dominava meia Europa. Contudo, no Verão de 1941, Hitler anuncia ao mundo a sua jogada mais ousada: a Operação Barbarossa. Na madrugada de 22 de Junho, lançou os seus exércitos na sua maior operação militar da História, a invasão da União Soviética, seguindo-se um duelo de morte entre os dois colossos militares.
Ainda que os países ibéricos se tenham mantido neutrais durante o conflito, em Espanha, Francisco Franco permitiu que voluntários se incorporassem ao exército alemão. Deste modo, podia manter a neutralidade espanhola enquanto, simultaneamente, recompensava Hitler pela sua ajuda durante a Guerra Civil Espanhola. O Ministro de Assuntos Exteriores da época, Ramón Serrano Súñer, sugeriu a criação de um corpo voluntário, no princípio da Operação Barbarossa, e Franco enviou uma oferta oficial da ajuda a Berlim. Hitler aprovou o uso de voluntários espanhóis em 24 de junho de 1941.
No país vizinho, não houve falta de voluntários e, a despeito de apenas 4.000 homens tivessem sido solicitados por Hitler, a procura foi tão grande que as autoridades rapidamente elevaram o número de voluntários permitidos, visando formar uma divisão completa (cerca de 19.000 homens). Regimentos de voluntários foram criados em Madrid, Barcelona, Sevilha, Valência e todas as outras regiões metropolitanas. Em 2 de Julho de 1941, os postos de recrutamento foram oficialmente fechados, com o número de voluntários tendo até mesmo superado a marca de uma divisão. A maioria desses homens tinham experiência de combate, muitos eram veteranos da Guerra Civil, acostumados com os rigores da vida militar.
Como estes soldados não eram membros do exército espanhol, um uniforme simbólico foi improvisado: uma boina vermelha do movimentos Carlista, a camisa azul do movimento Falangista (que por fim deu o nome à unidade) e as calças cáquis da Legião estrangeira espanhola. Esse uniforme era para ser usado enquanto permanecessem em Espanha mas, antes de partirem, receberam o tradicional uniforme do exército alemão, contendo um escudo com as cores nacionais e a palavra “España”, na parte superior da manga direita.
Em 13 de Julho de 1941, o primeiro comboio com voluntários deixou Madrid em direção a Grafenwohr (Alemenha). Na Alemanha, fariam toda a instrução militar. Aqui tinham sido recebidos de forma apoteótica. Neste primeiro contingente, havia já cerca de meia centena de portugueses na Divisão Azul que prestaram juramento de fidelidade a Hitler, na luta contra o comunismo. Da Alemanha, seguiram para a Polónia e daí até à Rússia numa caminhada de cerca de 1000 Km’s. Das estradas da Polónia, chegaram-nos relatos de grupos de soldados portugueses que, em marcha, cantavam o bem português Tiroliro.
Na noite de 12 de Outubro de 1941, a Divisão Azul teve seu batismo de fogo ao se defrontar com um batalhão soviético que tentava atravessar o rio Volkhov em meio a escuridão. A investida russa foi detida deixando para trás cerca de 50 mortos e 80 prisioneiros. Quatro dias depois, numa segunda tentativa, o Exército Vermelho foi, novamente, rechaçado. A batalha pela posse do rio tornou-se violenta, mas os soldados da Divisão Azul souberam manter uma cabeça-de-ponte do outro lado da margem mesmo sofrendo pesadas baixas da artilharia inimiga.
Em Agosto de 1942, a Divisão Azul foi transferida do flanco norte para o sudeste do cerco a Leninegrado (Rússia).
Por esta altura, no Verão de 1942, Aníbal Afonso, natural de Prado (Melgaço), emigrante nas Astúrias, alista-se e segue num comboio de reforços para a Alemanha e dali vai juntar-se à Divisão Azul nas proximidades da cidade de Leninegrado.
Mas quem é o soldado melgacense Aníbal Esteves Afonso?
Nasceu no lugar do Coto, freguesia de Prado (Melgaço) em 18 de Julho de 1917. Era filho de José Bento Afonso, natural no lugar da Gaia, São Paio, por volta de 1886, carpinteiro, e de Constância da Pureza Esteves, doméstica, nascida no lugar do Coto, Prado, por volta de 1887.
Aos dezassete anos, Anibal Afonso vivia com os seus pais em Remoães, mas a sua família acabou por seguir o destino de muitos minhotos e emigrou para as Astúrias, onde Aníbal começou a trabalhar como mineiro e assentou residência em Olloniego, localidade próxima de Oviedo.
A 20 de Julho de 1942, alistou-se no Bandeirin de Enganche da Jefatura Provincial de Asturias e partiu para La Rioja, deixando como pessoa a contactar em caso de necessidade Alfredo Rodriguez Gonzalez, chefe da Falange de Olloniego e responsável do partido que redigiu um certificado em que constava que Aníbal Esteves era pessoa de conduta intocável e afecta ao glorioso movimento nacional, indicou também outro conhecido, André Garcia Gonzalez, cujo domicílio também era em Olloniego. Por esta informação, podemos concluir que o Anibal teria ideais alinhados com a causa franquista. Não consegui confirmar se terá combatido na Guerra Civil ou terá pertencido à Falange.
Em Logroño foi integrado no 14º Batalhão de Marcha. Nessa unidade encontravam-se mais cinco portugueses: os soldados Alberto Alves, Francisco Lopes, José Camacho, Mário Barbosa e o cabo José Barroso, e a 13 de Agosto a sua unidade atravessou a fronteira Hispano-Francesa, em direcção à Alemanha.
Já na Alemanha, na cidade de Hof, os guripas, como eram chamados os soldados desta divisão,  trocaram as suas fardas espanholas pelas da Wehrmacht, e à chegada à Rússia foi integrado na 6ª/263, onde participou em múltiplas escaramuças e diversas operações de maior envergadura.
Sabemos que combateu na batalha de Krasnyi-Bor. Ali, em Fevereiro de 1943, a Divisão Azul sofreu uma forte contra-ofensiva soviética (revigorada após a recente vitória em Estalinegrado), na cidade de Krasny Bor, próximo da via Leningrado-Moscovo. Mesmo sofrendo pesadas baixas, a Divisão Azul deteve os ataques russos, apoiados por tanques, em sete ocasiões. O assalto foi contido e o cerco à cidade de Leninegrado mantido por mais um ano. A estabilização da linha fez com que os generais alemães passassem a dar mais valor aos combatentes da Divisão Azul.
Além da Batalha de Krasny Bor, o soldados Aníbal Afonso combateu nas trincheiras de Leninegrado (Rússia) e nos pântanos do rio Ishora onde escapou ileso. Note o caro leitor que nas planícies das Rússia, terão morrido quase cinco mil soldados espanhóis e portugueses e outros terão ficado prisioneiros na Rússia.
Sabe-se que o Aníbal retornou a Espanha após a ordem de repatriação da Divisão Azul, tendo escapado incólume durante um ano que combateu em território soviético. Em Novembro de 1943, embarcou a bordo do comboio que trazia os homens do 21º Batalhão de Repatriação, entre os quais outros soldados portugueses António Ramos, Luís Rodrigues e Francisco Lopes.
Sabe-se que em 1945, estava de novo em Oviedo, onde casou com Maria Argentina Heria Fanjul no dia 8 de Dezembro desse mesmo ano na localidade de São Pelayo de Olloniego.
Não há registos ou testemunhos de que Aníbal Afonso tenha voltado a Melgaço após a guerra.

Informações recolhidas em:
Fontes: AGMAV, C. 1996, Cp. 12, D. 1/81 “Relación Nominal – 21º Batallón de Repatriación”; AGMAV, C. 3809, Cp. 11/23 e 52 “Justificantes de Revista – 14º Batallón de Marcha”; AGMAV, C. 4612, Cp. 26 “D.E.V. – Expediente Personal”; AGMAV, C. 5481, Cp. 47 “Jefatura Provincial de la F.E.T. y de las J.O.N.S. de Asturias – Expediente Personal”; Arq. Mun. de Melgaço - Livro de Recenseamento Militar de 1934 (Recenseamento dos 17 anos), Freguesia de Prado; Conservatória do Registo Civil de Melgaço: Assento de Nascimento nº 232 do ano de 1917.


Nota: Um especial obrigado aos investigadores Ricardo Silva e Joaquim Rocha pela partilha de informações que tornaram possível esta publicação.

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