sábado, 16 de maio de 2015

O Concurso Tradicional do Cão de Castro Laboreiro de 1971 (Parte II)

A proprietária do "Paris" recebe o prémio correspondente ao melhor exemplar do concurso

"Os cães, em número de 25, a ser presentes aos juízes, Drs. António Cabral presidente do Clube Português de Canicultura, e Teodósio Antunes, foram dispostos por classes: de cachorros, destinada aos exemplares que, à data do concurso, tenham mais de seis e menos de 12 meses de idade; e aberta, destinada a todos aqueles com mais de um ano.
Enquanto os bichos eram minuciosamente observados, com muito mais minúcia do que as «misses» num concurso de beleza, pois eram apalpados de todas as formas e feitios, incluindo grãos e dentes, os mirones da cidade (Lisboa, Porto, Évora, Faro), que ali se haviam deslocado propositadamente, procuravam estabelecer contactos com toda aquela gente, que nos pareceu, contudo, pouco receptiva a satisfazer a curiosidade geral.
O repórter afadigou-se em formular perguntas, mas, quase sempre, esbarrou com muralhas de mutismo. Então quando lobrigava obter resposta, era do género. «Não sei». «Para que quer saber?», «Vá perguntar ao Inferno». Não saiam disto.
Deixarem-se fotografar foi problema ainda mais difícil. Sempre que o camarada fotógrafo apontava a máquina e elas davam conta disso, era certo e sabido virarem, ostensivamente, as costas. Indignavam-se mesmo. «Tire o retrato ao cão e deixe-nos a nós. Já toda a gente sabe que «semos» bonitas. A gente não precisa disso». Não fora a perícia do Orlando e a reportagem não conseguiria fixar as suas expressões.
As casas circulares cobertas do colmo, durante séculos características da região, foram substituídas pelas casas de telha
«francesa». Com o dinheiro que amealha na estranja, o natural de Castro Laboreiro começa por mandar construir a sua própria casa. Depois, investe na cidade, comprando andares em regime de propriedade horizontal.
Apesar disso, naquela aldeia serrana, o forasteiro, nas primeiras impressões, fica com a ideia de que os naturais vivem com extrema dificuldade. O aspecto humilde das pessoas, de cara queimada e enrugada, precocemente envelhecidas, leva exactamente a supor de que subsistem em função do que ganham com a enxada na mão. De parcos recursos, portanto. Pois ali, mais do que em qualquer outro lado, pode dizer-se que assentou arraiais a decantada sociedade de consumo.
Dizia-nos quem mais e melhor está informando acerca de Castro Laboreiro, que é precisamente o Padre Aníbal que lá nada falta. «Televisores, torradeiras, máquinas de lavar e de barbear, gravadores, aspiradores, aquecedores. Tudo aquilo que a técnica
criou para facilitar a vida de cada um, há cá na terra.»
Alguém de fora, mas que por funções profissionais vai muitas vezes a Castro Laboreiro, dizia-nos depois: «É formidável, de facto, como esta gente tem tudo». Um sorriso. Uma dúvida, como que se interrogando a si próprio se havia ou não, de dizer-nos o resto.
Tal estado de coisas tende, contudo, a acabar, dado que os filhos dos emigrantes (e eles próprios quando estão de «vacanças») frequentam as Universidades do Porto, Coimbra e Lisboa e o Seminário, tendo a terra já os «seus» doutores.
A proprietária do "Paris" recebe o prémio correspondente ao melhor exemplar do concurso. As pessoas que ali se haviam deslocado propositadamente para adquirir um cão de «Castro Laboreiro», e para isso atravessaram o país de lés-a-Iés, percorrendo mais de mil quilómetros (!!!) procuravam ouvir aquilo que os juizes cochichavam acerca do interesse de cada cão julgado, para depois abordarem o respectivo proprietário antes de serem conhecidas as classificações. E é fácil saber porquê. Evidentemente que desde a altura em que o proprietário soubesse que o seu animal havia sido premiado, acto-contínuo faria «render o peixe», que no caso era pedir mais dinheiro pelo animal, elevado à categoria de vedeta. Cão com diploma e medalha é mais caro. A propósito julgámos que a melhor altura para o negócio não seria aquela. Talvez por isso, há «peregrinações» a Castro Laboreiro, «santuário» da raça do mesmo nome, durante todo o ano, ainda que os meses de Março e Abril sejam aqueles que mais gente atraem.
Pois por cachorros de um mês, portanto ainda «imberbes» para participarem no concurso, os donos pediam entre os 200 e os 250$00. Mas já o bicho considerado o melhor do certame, de seu nome «PARIS», propriedade de Manuel Gonçalves Loureiro, ausente no Canadá e apresentado por sua mulher Benezinda Gonçalves, teve cotação de seis mil escudos. Muito dinheiro, convenhamos, segundo o nosso ponto de vista pessoal, naturalmente.
Observámos à «ti» Benezinda: «Não tem vergonha de pedir seis contos pelo cão ?»
-Oh home, deixe-me ficar o bicho em paz. Não o quero vender. Vocês é que mo querem comprar.
A despachar-nos: «Daqui a algum tempo isto (e apontou para o cachorro) não é um cão. É um elefante. E foi-se.
«TI» Benezinda, acompanhada do seu "PARIS" considerado o melhor cão do concurso, diz-nos «Tire o retrato ao cão e deixe-nos a nós», E virou-nos as costas.

«TI» Benezinda, acompanhada do seu "PARIS" considerado o melhor cão do concurso.

Facto curioso é que os possíveis compradores antes de entrarem em negociações procuravam catequizar o Padre Aníbal a fim dele dar a sua opinião sobre o cão em causa, pois, como já referimos, é um estudioso profundo das raças nacionais, e ao mesmo tempo servir de medianeiro para que o preço não ferrasse demasiadamente. Já se vê a sua dificuldade em aguentar-se entre os dois fogos de interesses díspares. Defesa do paroquiano e amabilidade para com o forasteiro.
Após os julgamentos, ouvimos o Dr. António Cabral:
-A impressão geral é bastante boa. A fixação das características étnicas está garantida. O lote de cães este ano foi muito bom! Muito bom!
Antes da distribuição de prémios, o Dr. Teodósio Antunes «falou às massas». Depois de ter historiado a razão do concurso, disse: «Cada vez temos de ser mais exigentes. Temos de combater as malhas brancas. Não devem existir mais cães de «Castro Laboreiro» com malhas brancas. Há que evitar o cruzamento com outras raças. Prendam as vossas cadelas na altura do cio..."

Texto extraído de:
- Jornal “O Mundo Canino” – Novembro de 1971, por Aurélio Cunha (textos) e Orlando Soares (fotos)

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