sábado, 16 de fevereiro de 2013

1388 - Conquista do Castelo de Melgaço aos castelhanos (contada no livro O Minho Pittoresco, 1886)



Aqui estamos de novo junto à tua sombra gloriosa, ó velha torre de menagem, e desta vez para evocar algumas das tradições honrosas que se ligam ao teu passado glorioso e sob a recordação das quaes queremos deixar Melgaço.
Nas guerras de D. João I contra Castella, todo o Alto-Minho tinha sacudido já o jugo castelhano e só Melgaço resistia ainda, confiado na sua guarnição de 300 infantes e outros tantos cavalos, que o alcaide-mor Álvaro Paes Sotto-Mayor capitaneava com denodo.
Impaciente, D. João I por tal notícia, dirigiu-se ele próprio de Braga, onde reunira cortes, para o alto da província,  e pessoalmente tomou o comando das tropas do sítio. Iam perdidos dez dias em escaramuças ligeiras e, como nada se conseguisse, mandou o rei edificar um castelo de madeira, que fosse em altura superior aos baluartes, enviando antes de uma tentativa de força, que dizia ser a última, João Fernandes Pacheco para tratar à boa paz das condições da rendição da praça.
Não se quis dar a partido Álvaro Paes e  D. João, impaciente deveras, ordenou que tudo se ativasse para o assalto, a que ele próprio iria.
Os seus brios de guerreiro acendiam-se ainda, porque à sua mulher e quase noiva, Filipa de Lencastre, queria oferecer, como espetáculo de bravura, o assalto geral da praça.
A rainha achava-se já em Monção com João das Regras e João Affonso de Santarem, damas e criados da sua casa, e dali tencionava passar ao mosteiro de Fiães, para ficar mais perto do arraial.
Foi nesta ocasião que um facto de acaso, um combate singular entre duas mulheres, decidiu a sorte da campanha.
Vivia dentro da praça uma mulher valente, parcial dos castelhanos, e a quem os de fora chamavam a  Arrenegada, por ser uma portuguesa que contra a sua pátria combatia. Soube esta mulher que no acampamento estava a sua conterrânea Ignez Negra, que tinha por igual uma aureola de virago. Mandou-a desafiar a combate singular e Ignez, que era mulher de não levar “duas em capello”, pronta aceitou o desafio, que devia ter lugar a igual distância das muralhas e do arraial e para esse ponto se dirigiu.
A Arrenegada esperava-a já e a luta começou logo, encarniçada e terrível, ferindo-se com as mãos, unhas, e dentes, depois de partidas as armas, de que iam munidas. Não diz Duarte Nunes de Leão (Crónicas de D. João I) que qualidade de armas eram essas; mas o que ele assevera é que a pimpona da Arrenegada, depois de ficar de baixo, foi para dentro da vila, corrida, com os cabelos arrancados, e levando nos focinhos muitas nódoas das punhadas da de fora, que ficou vitoriosa.
Imagine-se a grande algazarra que os portugueses fizeram aos castelhanos e o desânimo que estes experimentaram.
No dia seguinte, a praça era de D. João I e Ignez Negra, na plataforma da torre, onde o pendão das quinas ondeava doravante, dizia para os besteiros ques c a rodeavam, olhando com orgulho a velha praça:
-- Mas vencemos-te! Tornaste ao nosso poder! És do rei de Portugal!
E eis aí como uma melgacense de heróicos brios e pulso sólido deixou na história da sua terra uma tradição gloriosa!


Texto extraído de:
 VIEIRA, José Augusto (1886) - O Minho Pittoresco. Tomo I; Edição da Livraria António Maria Pereira; Lisboa.

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