terça-feira, 25 de dezembro de 2012

O significado de inscrições em monumentos melgacenses II


Inscrições em sepultura medieval junto ao Mosteiro de Fiães


Inscrição gravada em tampa de sepultura em granito. Comprimento: 189 cm. Altura: 62 cm/50 cm (Cabeceira/Pés).
Leitura:
Era Ma CCCa L IIII KaLendaS IULII / Obiit Maria I(o)HannIS  DE CAVALEIROS
Inscrição funerária de D. Maria Anes, natural de Cavaleiros (Freguesia de Roucas, Concelho de Melgaço), gravada na tampa de sua sepultura, que se conserva hoje fora de contexto, encostada à parede Norte da Nave da Igreja de Fiães.
A insc. de D. Maria Anes foi publicada apenas por dois autores, em ambos com leitura distinta da que aqui apresentamos no que respeita ao nome próprio de D. Maria Anes. O primeiro autor a divulgar esta inscrição foi o P.e Bernardo Pintor, na sua monografia dedicada a Melgaço Medieval, quando dá notícia do aparecimento da tampa de sepultura em 1958, desenterrada da zona envolvente da Capela-Mor de Fiães. Nesse estudo, o P.e Pintor propõe a seguinte leitura para este epitáfio:
"E : M : CCC : L IIII KL S IULII
O' M : IHTS . DE CAVALEIROS" desdobrando:
"Era 1345 Calendis Julii Obiit Martinus Johanis de Cavaleiros" (PINTOR 1975, p. 44). O P.e Bernardo Pintor ressalvava, ainda, que o desdobramento de M por "Martinus" era apenas uma hipótese, podendo ser igualmente desdobrado por "Mendo" ou "Múnio" (PINTOR 1975, p. 44). Depois da referência do P.e Bernardo Pintor, a insc. de Fiães seria apenas de novo referida em 1987, por nós próprios, quando procedemos ao estudo dos vestígios funerários medievais de Entre-Douro-e--Minho, e onde perfilhámos a leitura proposta pelo P.e Pintor, optando pela primeira solução de desdobramento («Martinus»), por parecer ser a mais usual para a época, sendo portanto a mais plausível (BARROCA 1987, p. 410 e p. 482). Julgamos, hoje, que estávamos equivocados, tal como o P.e Pintor. Na realidade, o M apresenta-se coroado por pequeno A aberto, de herança visigótica, revelador do género feminino da palavra aí abreviada. Ora, a sua presença afasta desde já, e de forma radical, a possibilidade de se tratar de um Martinho, Mendo ou Múnio. A conjugação de um M com a terminação em A, na forma «Ma» recomenda que se desdobre por Maria, o que aqui fazemos pela primeira vez.
A inscrição de Maria Anes, natural de Cavaleiros, encontra-se gravada na sua tampa sepulcral, decorada com uma enorme cruz latina que ocupa as dimensões maiores da tampa acompanhando o eixo principal desta, com braços definidos a duplo traço e remates terminais flordelizados. Acompanhando o braço maior da cruz, e ocupando os dois "campos" rectangulares por ele definidos, foram gravadas as duas regras deste modesto epitáfio. 
Apenas uma palavra, Obiit (abreviada na primeira letra, «O»), que abre a segunda regra, foi gravada à esquerda desse "campo" epigráfico, portanto no que poderíamos designar por primeiro quadrante da tampa. Esta palavra constitui, igualmente, o principal motivo de interesse desta inscrição, já que se trata de uma abreviatura particular da palavra Obiit, grafada na forma de O cortado por pequeno segmento de recta oblíquo (0). Ora, esta forma peculiar de abreviar a palavra Obiit ocorre apenas em Coimbra e, sobretudo, em Alcobaça, sendo típica dos "ateliers" epigráficos cistercienses. Julgamos que o seu aparecimento em Fiães não pode deixar de espelhar contactos culturais entre as diversas instituições cistercienses, que sabemos terem existido, e que encontram aqui uma comprovação epigráfica.
O Mosteiro de Fiães encontra-se documentado desde 1142, tendo começado por abraçar a Regra de S. Bento (que ainda seguia em 1173), e mudando mais tarde para a Regra de Cister (que já se documenta nesta instituição em 1194).


Extraído de:
- BARROCA, Mário Jorge (2000) - Epigrafia Medieval Portuguesa - (862-1422), vol. II, CORPUS EPIGRAFICO MEDIEVAL PORTUGUÊS. Fundação Calouste Gulbenkian, Fundação para a Ciência e a Tecnologia, Porto.

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