domingo, 14 de outubro de 2012

Histórias da RODA de Melgaço - séc. XVIII e XIX (parte IV)


As amas de leite e as amas de seco

Sem um limite temporal bem definido, o período de aleitação deveria prolongar-se pelo menos durante um ano, embora a sua interrupção acabasse muitas vezes por coincidir com o momento em que secava o leite das amas.
Num sistema assistencial em que não era fácil comprovar se as crianças estavam a ser ou não amamentadas, algumas das amas mais conscienciosas, a quem secava o leite, decidiam levar as crianças à Roda a Melgaço para que lhes fosse encontrada uma outra ama que desse continuidade ao período de amamentação. Pelo contrário, as menos conscienciosas procuravam ocultar tal facto para continuarem a receber os respectivos salários, uma situação que poderia nunca vir a ser conhecida, por falta de uma adequada vigilância dos médicos de partido ou porque essas crianças acabaram por falecer. Na realidade, a sobrevivência dos expostos poderia ser abruptamente interrompida quando o leite das amas era precocemente substituído por alimentos alternativos, incluindo o leite de vaca ou cabra, mais ainda quando ministrado sem os cuidados higiénico-sanitários aconselháveis.
Terminado o período de criação de leite, as crianças passavam a ser criadas por amas de seco, geralmente as mesmas que as haviam amamentado, por um período que se poderia prolongar até completarem os 7 anos de idade. Assim, enquanto umas crianças apenas conheceram uma única ama, outras acabaram por ter duas ou mais amas, independentemente de serem amas reais como fictícias, uma consequência natural do complexo jogo de estratégias que se foram desenvolvendo ao longo do processo de criação.
A mudança de ama poderia ser voluntária ou compulsiva. No primeiro caso, seriam as próprias amas a pedir a substituição, por falta de leite, incapacidade ou indisponibilidade, enquanto que a mudança compulsiva seria o resultado do conhecimento público de maus tratos praticados por amas negligentes ou por suspeitas de que fossem conhecidas dos familiares das crianças e por eles “tratadas”.
Não se revelava fácil controlar todo o universo das amas de alguns concelhos, tanto pelo seu elevado número, como pelo facto da sua distribuição ultrapassar os limites administrativos do próprio concelho. Embora alguns regulamentos previssem a realização periódica de “vistorias” às criações e comportamentos das amas, estas nem sempre se realizavam ou apenas tinham uma periodicidade trimestral, coincidindo com o acto de pagamento dos respectivos salários.
Se a identificação das amas nem sempre foi uma tarefa facilitada, mais difícil seria o controle das crianças expostas, muitas vezes substituídas por outras, como forma de garantir os pagamentos. Sem marcas identificadoras específicas, como aconteceu ao longo de quase todo o período estudado, em consequência da resistência à implementação do “selo dos expostos”, as irregularidades eram frequentes, como o procurámos demonstrar nesta investigação.
Com a falta de amas de leite, a quem haviam falecido os filhos ou terminado o período de amamentação, a alternativa passava pela entrega dos expostos a mulheres que se dispusessem a partilhar o leite dos filhos biológicos com os “filhos postiços”. Foi o que aconteceu com a Maria José de Sousa, de 44 anos de idade, solteira, tecedeira, da freguesia de Penso, do concelho de Melgaço, que, depois de lhe ter falecido o exposto que criava, manifestou vontade em continuar inscrita como ama de seco ou voltar, mais tarde, à condição de ama de leite, por se encontrar novamente grávida.
Numa outra situação, a ama Maria Joaquina da Gama, de 23 anos de idade, solteira, costureira, natural da freguesia de Alvaredo, tendo-lhe falecido o exposto Boaventura, em 9 de Dezembro de 1860, acabou por declarar não estar interessada em continuar inscrita como ama de leite, uma intenção com que a câmara se conformou, «por suas circunstâncias não serem as melhores para ama de leite, por se achar no estado de gravidez». Porém, já depois do nascimento do filho, esta ama mostrou-se novamente disponível para voltar a exercer a actividade de ama de leite, «visto já estar nas circunstâncias de prestar leite, tendo a criança 4 meses completos».



Informações recolhidas em:

- PONTE, Teodoro Afonso (2004) - No limiar da honra e da pobreza - A infância desvalida e abandonada no Alto Minho (1698 - 1924). Tese de doutoramento; Universidade do Minho, Braga.

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