domingo, 30 de setembro de 2012

O eterno Padre Aníbal Rodrigues de Castro Laboreiro


Deixo aqui um texto transcrito da edição de Maio de 2003 d' "A Voz de Melgaço". Porque é um bom texto e porque a memória e o legado do Padre Aníbal merece que não esqueçamos...

"Sacerdote exemplar, homem insigne, historiador dedicado e arqueólogo de valor, tudo isto foi o Pe. Aníbal.
Com o seu desaparecimento, ficamos todos mais pobres. Resta-nos prestar-Ihe o nosso respeito, a nossa admiração, a nossa homenagem pela obra magnífica, que realizou como padre e como cidadão, sempre defendendo os interesses dos seus paroquianos e o progresso da sua "vila de Castro Laboreiro". Podemos afirmar que na religião também há heroísmo. O Padre Aníbal foi um herói. Entregou toda a sua vida A causa da Igreja, por ela lutou, abnegadamente. Percorreu veredas e caminhos para visitar enfermos, para prestar assistência religiosa aos necessitados aquém e além fronteiras. No dia do mercado, via-mo-lo, na vila, sempre atarefado, com a pasta pesada na mão, talvez com documentos para auxiliar algum seu paroquiano com problemas, financeiros, do tribunal, do fisco, camarários ou outros. Era incansável, recebia a todos com um sorriso, sem distinções, com simplicidade. Pessoa humilde, estava sempre pronto em obras de caridade, obras em prol dos mais carenciados, a todos confortando com palavras de fé e esperança. A sua vida foi de batalhas sucessivas. Quando começou a paroquiar, Castro Laboreiro era a freguesia mais esquecida de Melgaço. Faltava-lhe tudo. Com ele conheceu o progresso e hoje tem orgulho de ser das freguesias do concelho com melhores vias de comunicação, melhores infra-estruturas e melhor urbanização. Castro é, actualmente, terra de grande procura por turistas nacionais e estrangeiros. O padre Aníbal é conhecido internacionalmente. Deixou uma herança, riquíssima, o seu bom nome, que é preciso saber perpetuar como bom exemplo a seguir, numa época tão pobre de valores espirituais. Soube ser bom sacerdote, bom samaritano, e como cidadão soube mover a sua influência, contra as injustiças da sociedade moderna.
O Pe. Aníbal venceu todas as batalhas. E foram muitas. Recordo aqui uma delas, que se passou comigo, em Castro Laboreiro. Estava eu na Guarda Fiscal em Melgaço e recebi uma ordem para embargar a instalação da electricidade portuguesa na Assureira (Azoreira), povoado espanhol, a cerca de duzentos metros do lugar raiano de Alcobaça, daquela freguesia. Subi a Castro e disseram-me que o Padre Aníbal tinha pedido à EDP, que andava a electrificar o lugar de Alcobaça, para por mais uns metros de fio de cobre até a Assureira (Azoreira), de modo à luz eléctrica, chegar, também ali. A EDP fez a ligação. Fui à residência paroquial, onde encontrei o Pe. Aníbal já ao corrente da situação. Logo me tranquilizou, que iria a Viana do Castelo expor o assunto ao Sr. governador civil e que tudo se arranjaria pelo melhor. Que informasse os meus comando da iniciativa, que estava a tomar e que aguardasse mais um dia a solução deste caso, que ele considerava de caridade cristã.
O que é certo é que no dia seguinte, recebi nova ordem para não interferir na dita electrificação, por as formalidades legais, já, estarem a ser respeitadas. Não fora a sua pronta intervenção, a Assureira (Azoreira) não teria electricidade tão cedo. Envolveria os Ministérios dos Negócios Estrangeiros, de ambos os países, as Alfândegas e a Guarda Fiscal e o caso arrastar-se-ia por muitos anos, com as burocracias da praxe.
Para terminar e em sua memória, vou transcrever uma passagem de um seu trabalho literário sobre Castro Laboreiro, onde demonstra o seu grande amor àquela terra, que o viu nascer:
- "( ... ) Quem numa manhã fresca de Primavera ou quente de Verão, percorrer a estrada nacional de Melgaço a Castro Laboreiro, observa paisagens lindas, cheias de beleza e verdura, cobertas de flores de variadas cores, num anfiteatro de uma indefinida magia. Em cada curva daquela via a serpentear pela encosta de elevados declives o cambiante das cores, tons e panoramas vão-se modificando à medida, que nos vamos afastando dos vales ribeirinhos e nos aproximamos das altitudes serranas (...)”.


In: A Voz de Melgaço, Maio de 2003



Não termino sem deixar um poema da sua autoria dedicado ao Castelo de Castro Laboreiro:

«Castelo, pastor Amigo
Das rezes da velha Grei
Deixa-me falar contigo,
Ouvir coisas que eu não sei.

O teu arnês de guerreiro,
Há quanto tempo o não vejo;
Mudaste-o em pegureiro,
Ou deixaste-o n'algum brejo.

Tua cabeça branquinha,
Parece o lírio do campo,
Inclinada à tardinha
à espera do descanso.

A bela lança d'outrora,
Arrogante e combativa,
Já se oxidou por fora,
Por dentro está combalida.

Teu olhar embaciado,
Quem o há-de conhecer?
Parece o sol nublado,
Pouco antes de morrer.

A tua voz de trovão
Sufocou-se na garganta,
Já não comanda o pelotão,
Não se ouve na Infanta.

A tua face enrugada
Não é dum velho Gigante
Que enfrentou a montanha,
Com aspecto arrogante.

A tua flauta tão linda,
Não se ouve como outrora,
No alto da Cartelinda,
Pelas quebradas em fora,
A chamar as ovelhinas,
Ao sol pôr e vir d'aurora.»

Pe. Aníbal Rodrigues

2 comentários:

  1. Quem viveu para cumprir uma missão nobre nunca há-de morrer: nem que seja na memória intemporal daqueles que possuem nobreza de caráter e fineza no trato. Estes foram atributos incontornáveis de que o conheceu, ainda que de forma ténue. Como ele, já não se "fazem" muitos, quer em Melgaço, quer noutro lado qualquer. Conservar a memória é conservar viva a nossa própria identidade. A propósito...não será a razão principal desta maldita crise que atravessamos uma questão de falta de identidade....nacional? Ou, até, pessoal? Vale a pena pensar nisto!.......

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  2. Conocín o P. Anibal pola década dos oitenta, nun acampamento mixto de adolescentes españoles e portugueses, organizado polo Concello de Vigo e as Cámaras minhotas e de Viana do Castelo. Causoume fonda impresión, polo trato e pola cultura e paixón, tanto por Castro Leboreiro como pola serranía na que se atopa. Ten unha prosa magnífica, na que se nota a influencia dos clásicos latinos de longo e solemne período. Ben merece que o lembren.
    F. Nogueira.

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