segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Esta reportagem conta-nos como era Castro Laboreiro e o Soajo em 1911 (parte II)


O único logar onde encontrei uma recepção pouco amavel foi em Penêda. Este povo selvagem e intratável, vê em todos os desconhecidos um inimigo, e cconstitue-se na obrigação de d’elle se desembaraçar.
Não sei se eles me tomaram por conspirador ou por carbonário; nem tenho desejo em sabel’o.
Basta-me o facto de me terem preparado uma cilada, onde o menos que poderia perder era a vida.



O regedor da Penêda, com sua filha


Devido á chegada, no momento psychologico, de Domingos Avelino Lourenço, regedor da freguesia, consegui escapar d’esta vez.
O certo, é que eu não conto voltar á serra da Penêda, emquanto não tiver obtido a certeza de que se modificaram os sentimentos fraternaes d’aquelle povo.
O sr. Avelino Lourenço e sua exmª família, prepararam uma recepção hospitaleira, que foi verdadeiramente um raio de luz nas trevas da montanha. Penêda, é o logar mais selvagem que encontrei na minha expedição. Afastada léguas dos centros civilizados, falta á população todo o sentimento de cultura. Não se compreende como o grandioso santuário de Nossa Senhora, se perdeu por aqui. Se os romeiros são recebidos com a mesma gentileza e atenção que nos dispensaram, duvido que algum estranho á terra, volte a estas paragens.
Se tivesse alguma duvida ácêrca da gravidade da minha situação, o sr. Avelino afastou-as no dia seguinte, acompanhando-me durante duas léguas, e dizendo-me na despedida agora é que v. exª está salvo.
Durante o trajecto, tive ocasião de experimentar a eficácia de um instrumento desconhecido a incultos povos. N’uma d’estas aldeias, cujo nome não me ocorre, tirei da algibeira um copo de viagem de alumínio, forma de telescopio que causou o espanto de toda a povoação, e que frequentemente tive de fechar e abrir sob este sol abrasador, para satisfazer a curiosidade ingenua d’esta pobre gente, antes de pode beber uma gota de agua, tão necessária á minha garganta ressequida.
Estou convencido de que, ainda por muito tempo, será o copo do estrangeiro, o thema da conversação dos aldeãos, a maior parte dos quaes desconhece estradas de macadame ou mesmo um caminho de ferro.
O caminho segue sempre entre serras selvagens, talhadas para servirem bem n’uma guerra de guerrilhas; todavia será necessário que os contendores conheçam bem o terreno para evitar qualquer surpresa. Infeliz d’aquelle que cahisse n’uma cilada n’estes abysmos tenebrosos! De longe, n’um planalto rodeado de altos montes, depara-se á vista uma aldeia maior, é o Suajo, estação intermédia entre Penêda e Arcos de Val-de-Vez.




Uma rua no Suajo


Aqui, o meu salvo-conducto, assingnado pelo ilustre ministro do interior, valeu-me uma grande manifestação de sympathia; era um bom republicano que chegava, visto que só como tal poderia o dr. António José d’Almeida, conceder a um estrangeiro a protecção incondicional garantida no documento referido. O povo do Suajo é relativamente culto.




O interior de uma habitação no Suajo. A casa do Juiz de Paz
A maior parte dos homens conhecem Lisboa, por ser tradicional a sua emigração para esta cidade, onde se empregam, de preferência, no mister de moços de padaria. O aspecto da povoação é estranhamente pitoresco.




Typo de casa no Suajo


Na praça principal, ergue-se um antigo pelourinho, encimado por uma horrenda carranca, que faz lembrar, pela sua factura primitiva e ingenua, qualquer trabalho gentílico. Infelizmente, o sol ardente, opunha-se a immortalisar a tal obra na pellicula photographica, bem como os curiosos palheiros, construídos de pedra, em forma de cadela, e todos eles encimados por uma cruz. A gravura, mostra um grupo de aldeãos, entre palheiros, construídos de verga e cobertos de palha. Não lembra, este aspecto, uma scena do continente negro?



Palheiros do Suajo


Á sahida do Suajo, foi a nossa caravana augmentada com o cabo da guarda fiscal, de espingarda ao hombro, cavalgando uma pequena mula; um padeiro de estatura gigantesca, que, n’uma montada egual, quasi arrastava as pernas pelo solo, uma mulher candongueira de estatura avantajada e com um rosto ainda de uma beleza, que há vinte anos devia ser extraordinária.




A nossa caravana à sahida do Suajo


A tia Maria, conduzia ao hombro a espingarda do padeiro, e uma sua sobrinha que a acompanha, não ficava, em formosura, muito áquem de sua tia. Imaginem esta caravana, caminhando penosamente entre os estreitos valles da serra, e comprehenderão, facilmente, que eu me julguei n’uma viagem de exploração, por mares nunca d’antes navegados. No caminho, encontrámos um patrulha de caçadores 5 que me fez lembrar que a minha missão, era talvez assistir a alguma lucta sangrenta, mas, infelizmente, nenhum sangue correu se não o meu, na ocasião de me barbear deante de um espelho, que só poderia prestar bom serviço a um cego. O sol someçava a desaparecer no horisonte, e nós comecámos a acelerar a marcha para podermos chegar antes da noite aos Arcos de Val-de-Vez, deixando o guarda fiscal e o padeiro regressar com os caçadores para o Suajo.




O rio em Arcos de Val-de-Vez


Anoitecia quando entrámos nos Arcos, e a minha aparição, envergando o fato quasi militar, polainas, esporas e pistola, deu ocasião a que umas mulheres espalhassem o boato de que o Paiva Couceiro tinha chegado. Todavia, quando uma hora depois me viram passeando com o comandante Simas Machado, as suspeitas desvaneceram-se por completo.



O banho dos cavallos


Devido á amabilidade do sr. Tenente coronel Simas Machado, tive ocasião de acompanhar uma força de tenente que se ía installar na Portella do Extremo, como posto avançado, para assegurar a estrada de Monsão-Arcos-Braga.



Nos Arcos de Val-de-Vez


A força aquartelou-se no cemitério da aldeia, romanticamente situado entre dois alcantilados montes, coroados por restos de fortificações das campanhas da guerra da independencia.




Um posto avançado na Portella do Extremo


A pequena igreja foi fundada no anno de 1741, por cavalleiros da Ordem de Malta, conforme indica uma cruz d’essa ordem, esculpida sobre fundo azul, na base da qual se encontra a palavra Malta e a era. O cemitério apresenta um aspecto pouco vulgar; não existem lapides, cruzes, jazigos ou mesmo simples indicação sobre as sepulturas.



O meu almoço com o commandante do posto da Portella do Extremo, tenente Velloso


Uma pequena elevação de terra preta sobre a qual repousa uma pequena tigela de agua benta, é a única indicação de que ali descançam das fadigas da vida os que labutaram n’este solo ingrato. Não obstante esta vizinhança pouco convidativa para quem deseja repousar-se um pouco da fadiga de uma jornada extenuante e de uma trovoada formidável que parecia inflamar o ceu, e que encheu o estreito valle com o ruído monumental dos seus trovões, dormimos sobre o feno, cobertos com as mantas dos cavallos, até que, aos primeiros alvores da madrugada, os relinchos e o escarvar das patas dos cavallos, nos chamaram ao cumprimento do dever do dia.





A capella dos cavalleiros de Malta na Portella do Extremo. Ao fundo, veem-se os restos das fortificações levantadas em 1640


No regresso aos Arcos aluguei um trem, que, sem mais incidentes, me conduziu a Braga. Resta-me, talvez, expor a idéa de que n’esta região se podia estabelecer um centro de tourismo, para aquelles cujo estado de saúde não permite a permanência nas altitudes. Encontrariam os doentes n’estas condições, uma situação que lhes permitiria o exercício de pequenas excursões de montanha ainda inexplorada, bastava que se estabelecessem hotéis que proporcionassem as comodidades q que, em geral, estão habituados os que costumam empregar o seu tempo e dinheiro em taes distrações. Creio também, que será proveitoso mandar explorar esta região archeoloca e geologicamente, porque, sestou convencido, que aqui se encontrariam valiosos elementos para a historia dos primitivos habitantes do paiz.




Texto e Clichés de Bruno Buchenbacher
Fonte: Illustração Portugueza, nº 284, de 31 de Julho de 1911

Extraído de:
Blogue do MInho

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