terça-feira, 3 de julho de 2012

A Igreja do Convento de Paderne: traços arquitetónicos

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A igreja do convento de Paderne - porta principal

Estamos perante uma igreja predominantemente românica-gótica ou protogótica, apresentando elementos barrocos como, por exemplo, a capela-mor rectangular e profunda e a decoração azulejada existente no interior.
Enquadra-se em meio rural, dispõe de vasto largo fronteiro, de espaço envolvente e adro murado, acedido por pequena escadaria no portão de acesso e definido a sul pelo corpo das dependências conventuais a que se adossa, corpo projectado significativamente para oeste relativamente à frontaria.
No adro encontram-se duas cruzes de granito. A norte desenvolve-se cemitério confinante com o braço do transepto. Como outras igrejas conventuais da época e da região do Alto Minho, é construída em cantaria autoportante de granito aparente com a introdução pontual de contrafortes, excepto o preenchimento dos paramentos da torre, introduzida posteriormente, que são rebocados e pintados a branco. A planta é disposta longitudinalmente, em cruz, com nave única rectangular (estreita, alta e pouco profunda) com coro alto, transepto acentuado, cabeceira de três capelas: capela-mor rectangular, com corpo de largura e profundidade semelhantes ao da nave, e duas capelas laterais, também rectangulares. Sobre a capela do lado da epístola, eleva-se a torre sineira acedida por escada lateral, situada entre a sacristia anexa a sul e a cita capela. As coberturas são diferenciadas a uma, duas e três águas. A torre tem dois registos, o último dos quais reservado a campanário de quatro sineiras, e é rematada por cobertura ‘plana’ e pináculos a coroar os cunhais. A frontaria, voltada para poente, composta por portal ‘axial’ em arco pleno de cinco arquivoltas e capiteis decorados com motivos vegetalistas, ombreiras salientes e arcadas marcadas por chanfros acentuados, denunciando uma linguagem protogótica (Almeida, 2001: 89-90), encimado por janelão rectangular, possui remate angular protegido por cápeas de granito, coroado por cruz latina no vértice e pináculos nas extremidades elevados sobre bases paralelipipédicas. Por exemplo, para Reinaldo dos Santos, o portal de Paderne, bem como o da Senhora da Orada, tem “mais afinidades com a visão plástica de Paço de Sousa que com a de Ganfei e Longos Vales” (Santos, 1955: 105). Voltado também para poente, no braço norte do transepto, um outro portal que, apesar de ser lateral (à semelhança do que acontece, entre outras, com a Igreja de Santa Cristina de Ribas Sil na Galiza), apresenta características de portal principal. Por isso, pela sua originalidade, despoletou diferentes interpretações acerca das suas motivações, origens e acerca da morfologia da primitiva igreja e respectiva evolução arquitectónica até à actualidade.
Tem uma traça estilística mais característica da segunda fase do românico do Alto Minho, é em arco pleno composto por arquivoltas com motivos sobretudo geometrizados, enxaquetados e boleados, e capitéis com suaves adornos vegetalistas. Segundo Almeida, tal como o portal da nave, este “grande portal do transepto tem também uma organização protogótica e, embora mais austero, datará quase da mesma época.” (Almeida, 2001: 90).
Sobre o dito portal uma arcatura, acompanhando a sua largura, enquadrada por contrafortes, encimada, no mesmo quadro, por um óculo circular reentrante com circunferências ornamentadas com ‘dentilhados’.
Esta fachada, bem como a fachada nascente e a fachada norte da nave, é rematada por cornija recta sobre cachorrada e sob beiral. A ornamentação esquematizada e de inspiração vegetalista destes elementos bem como a dos capitéis denunciam a evolução estilística do templo para o protogótico afastando-se do tradicional românico da região do Alto Minho.
A fachada norte evidencia o escalonamento e as morfologias dos volumes e apresenta, marcando ainda o mesmo braço do transepto, um outro portal, mais austero, em arco quebrado, também protogótico, que não será muito posterior aos dois anteriormente referidos.
Este portal está inserido numa fachada, ligeiramente proeminente, também composta por um janelão e por irregularidades que denunciam a existência, outrora, de outras dependências anexas a norte. É rematada por paramento recto de ‘cantos’ cortados obliquamente e protegidos por cápeas.
Na mesma frente norte, no plano correspondente á nave, apresenta-se um contraforte e duas estreitas frestas, uma de cada lado deste, assentes em cornija corrida com modilhões ligeiramente abaixo; mais a nascente desenvolve-se a capela lateral e capela-mor fenestradas por um vão rectangular cada. A fachada nascente revela fresta na capela-mor e rosácea na nave (no pano elevado acima da altura da capela-mor), proporcionando, juntamente com o janelão da frontaria, uma iluminação axial da nave. Desta frente, observa-se igualmente a singular torre. A forma, a espacialidade e as proporções denotam francamente a mudança da traça românica minhota e as características do protogótico da região, embora este exemplo não deva ser considerado um paradigma pois está pejado de incoerências estilísticas e de anomalias geométricas decorrentes de um certo descontrolo construtivo. No interior esta percepção é muito acentuada.
O arq. Luís M. Fernandes Pinto destaca quatro assimetrias flagrantes existentes na igreja: “implantação do portal [fora do eixo da nave e frontaria], forma trapezoidal da nave [devido à diferença dos vãos no transepto], dois panos de parede prolongados sobre o transepto [para tornar semelhantes os vãos dos braços do transepto e os da nave no cruzeiro] e não alinhamento dos eixos da nave e da capela-mor” (Pinto, 2000: 11).
Juntamente com estas dissonâncias arquitectónico-geométricas e estilísticas anómalas, a excessiva e desproporcionada altura da nave, quando comparada com a sua largura e profundidade, sublinha o desequilíbrio e desconforto do ambiente gerado. Mesmo as capelas laterais do transepto são diferentes. Seguindo os mesmos paradigmas, no interior, os capiteis das colunas que suportam os arcos apontados a separar o cruzeiro da capela-mor e do transepto “não lembram em nada os exemplares túrgidos da região, em moda meio século antes. Há apenas um historiado, com um personagem de báculo que aparece a castigar o pecado. (…) A sua escultura é fruste, pouco volumosa, muito diferente do anterior estilo tudense.” (Almeida, 2001: 89).
Luís Correia de Sousa destaca neste capitel a figura de um 'arauto, um tocador de aerofone, instrumento de feitura bastante rude e já um pouco danificado. Não se trata de uma lusão a uma qualquer prática musical, mas antes uma representação plástica da mensagem sonora, a difusão oral da mensagem cristã, como que chamando a atenção dos fiéis para a meditação sobre esta representação, para os perigos de cair no pecado.
O instrumento assume então um significado simbólico, como veículo de transmissão de uma mensagem aos fiéis, ao mesmo tempo que um sinal de alerta' (Sousa, 2005: 5-6).
Paderne, segundo o Arq. Luís de Magalhães Fernandes Pinto, também “surpreende pelos primores da integração do revestimento em azulejo da capela absidal do lado do evangelho (…) aplicado entre 1594 e 1640” (Pinto, 1981/2005: 172).
O mesmo investigadior realça que o revestimento do forro “aparentemente modesto, não cobre os paramentos da capela absidal. Limita-se a cobrir a parede da sua entrada, onde se abre um arco apontado, lembrando um alfiz de tradição árabe, uma composição usada para valorização de vãos principais.
A intenção que presidiu a este forro não foi, por isso, pode afirmar-se, caracterizar um ambiente como azulejado, mas sim a de destacar uma determinada parcela de um conjunto. Os azulejos encontram-se adaptados apenas na face anterior da parede, a face vista pelos fiéis durante o culto.
O pano superior dessa parede engloba um painel, com a dimensão invulgar de 9x5 azulejos, representando o símbolo do Espírito Santo, a Pomba, e é rematado no topo por três pináculos de clara influência árabe improvisados com azulejos sobrantes. É uma atitude de pura decoração entendida como sujeição à forma e valorização da arquitectura subjacente. A distribuição dos padrões, barras, cercaduras e frisos foi executada por um azulejador escrupuloso que eventualmente sem a oportunidade de outras escolhas, demonstrou profundo e criterioso conhecimento do material a usar e do fim a atingir” (Pinto, 1981/2005: 175-176).


Informações recolhidas em:
ADB - Registo Geral. Livro 330 (Censual), Braga, 1514-1532, fls. 480-485. ADP - Cópia do Sequestro e Inventário dos bens do Mosteiro de São Salvador de Paderne, 1770.
ADVC - Escritura de venda, quitação e obrigação feita a 27de Novembro de 1772, pelo Cardeal da Cunha, Arcebispo de Évora e Inquisidor Geral de Portugal a Luiz Rodrigues Caldas, do Mosteiro do couto de Paderne dos cónegos de Santo Agostinho, com todos os seus edifícios, terras e todos os mais bens, padroados da igreja de S. Salvador e suas anexas e mais igreja da apresentação do dito Mosteiro, casas, lagares, moinhos, eiras, pesqueiras, etc., à excepção dos foros, dízimos, dívidas activas, 1772.
ALMEIDA, C. A. Ferreira de - História da Arte em Portugal. O Românico, Ed. Presença, Lisboa, 2001.
COSTA, Avelino de Jesus da - A Comarca Eclesiástica de Valença do Minho (Antecedente da Diocese de Viana), Comunicação apresentada no 1º Colóquio Galaico Minhoto, Associação Cultural Galaico-Minhota, Ponte de Lima, 1981, Vol. 1, p. 69-235 (IANTT - Gaveta 19, m. 14, doc. 7, 1258-1259, fls. 5v-7v.).
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